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Projeto PTDC/HAR-HIS/28719/2017

O problema a indagar é o de verificar de que modo e em que escala a implantação do catolicismo no império contou com o suporte dos bispos e da rede diocesana e do clero secular, assumindo que constituíram um elemento incontornável no processo de expansão da fé cristã com impactos marcantes na vida das populações.

A questão é decisiva e particularmente interessante, pois coloca em causa a tese de BOXER (1978), segundo a qual o esteio do processo de expansão da fé no império teria sido a ação missionária do clero regular. Já a presença episcopal teria sido débil e dominada pelo sistema do padroado da Coroa.

Por outro lado, a investigação permitirá criar imenso conhecimento novo sobre um campo que, em parte devido às propostas de Boxer, tem sido praticamente abandonado, a saber, o episcopado, as suas estruturas de administração e justiça, dinâmicas de ação, relação com outros poderes e com as populações.

A investigação adoptará as perspetivas trazidas pelas categorias de confessionalização, disciplinamento e crossed history, beneficiando, neste último plano, de a equipa ser constituída por historiadores africanos, americanos e europeus.

Outro ponto de vista seguido será o decorrente das propostas da connected history. Estão identificados bispos que, acompanhados por outros clérigos, foram protagonistas de interessantes experiências neste domínio, como o primeiro bispo do Brasil, Pedro Fernandes Sardinha, que estudou em Paris, foi cortesão em Lisboa, serviu como vigário-geral em Goa e terminou a vida à frente de uma diocese na América; ou João Franco de Oliveira, que na viragem do século XVII para o XVIII, iniciou carreira como juiz do tribunal do bispo de Coimbra, passou a bispo de Angola, depois arcebispo da Baía e regressou ao reino para ser bispo de Miranda.

Adoptar-se-ão as metodologias da história comparada com a vantagem de a análise dos problemas não ter como ponto de partida o estudo de espaços geográficos fechados, mas antes o problema de partida, que é transversal a todos os territórios em consideração.

Partir-se-á da matriz das estruturas e dinâmicas de atuação da Igreja no reino, usando o exemplo da diocese de Viseu para averiguar até que ponto esse modelo determinou idêntica configuração no império. O modelo do reino servirá ainda para esclarecer lacunas de conhecimento que possam decorrer da escassez de fontes documentais relativas ao império, pois os arquivos eclesiásticos sobreviventes padecem de importantes lacunas relativamente aos espólios originalmente produzidos.

O método prosopográfico norteará o estudo do episcopado e do clero secular com funções de relevo nas estruturas de governação das dioceses e permitirá conhecer percursos individuais, coletivos e redes de relações clientelares. Será constituída uma base de dados alimentada com informação recolhida pelos membros da equipa.

O objetivo final é uma interpretação à escala global do impacto do episcopado no império. O rigor dos resultados a atingir será amparado por análises a escalas variadas, que podem ir do indivíduo ao coletivo, da paróquia à diocese ou às dioceses de um mesmo continente.

Os resultados alcançados farão avançar o conhecimento disponibilizando nova informação a partir de acervos documentais ainda pouco explorados, criando um saber relevante, sobretudo para o caso de dioceses pouco estudadas, como Malaca, Cochim ou Congo/Angola.

A revisão das teses de Boxer permitirá superar o seu legado, criando um entendimento mais rigoroso do processo de expansão do catolicismo, atenuando o peso excessivo de rotinas historiográficas instaladas que, ao analisarem a evangelização no mundo não europeu, se fecham no clero regular, esquecendo os importantíssimos efeitos de disciplinamento decorrentes do exercício de uma justiça eclesiástica (episcopal e inquisitorial) normalmente articuladas.

O novo conhecimento permitirá reequacionar um debate historiográfico ainda aberto na história colonial a respeito do estatuto da ocupação territorial ultramarina pela Coroa portuguesa. Tratou-se ou não de um império? Seguindo (SUBRAHMANYAM, 2001), e assumindo que um império era um Estado com uma extensão geográfica considerável e domínio sobre mais do que uma cultura ou ecozona, será relevante considerar o problema à luz da reavaliação do peso que as estruturas diocesanas e seus agentes assumiram numa cultura política em que Estado e Igreja estavam profundamente imbricados.

A dimensão da escala espacial e cronológica do império ultramarino português, a que acrescem os diversos contextos religiosos e culturais implicados, reclamam a definição/delimitação das dioceses e dos períodos a considerar, sem o que a exequibilidade do projeto ficará comprometida. Nas ilhas atlânticas optou-se pelo Funchal (a primeira diocese fundada depois da bula papal que instituiu o padroado régio sobre os territórios ultramarinos) e Cabo Verde (para contemplar uma vertente africana do quadro insular); na África continental elegeu-se o caso único da diocese do Congo/Angola; na Ásia privilegiar-se-ão Goa, Cochim, Malaca e Macau (cobrindo áreas geográficas estratégicas da presença portuguesa e com desafios distintos colocados ao episcopado); no Brasil escolheram-se a Baía, Olinda, Rio de Janeiro, Maranhão e S. Paulo (abarcando espaços múltiplos e tempos/dinâmicas distintos de criação dos bispados).

No plano temporal, seguiram-se três imperativos, privilegiando:

-Os momentos de criação de cada diocese;

-Os ciclos de grandes reformas na Igreja, nomeadamente os anos imediatamente posteriores ao Concílio de Trento (1543-1565), a criação da Congregação romana da Propaganda Fide (1622), a reiteração da condenação papal do jansenismo pela bula Unigenitus (1713) e a emergência das correntes do iluminismo católico;

-Períodos em que novas dinâmicas políticas e/ou geoestratégicas tiveram repercussões no governo diocesano, como foram a integração do reino de Portugal na monarquia hispânica (1581), a suspensão e reatamento das relações entre a Coroa e o papado (1641-1668), a conquista holandesa de Pernambuco, Malaca e Cochim (1630, 1641 e 1663), e a limitação dos poderes de jurisdição da nunciatura romana (1676).

Privilegiar-se-á a consulta e análise de documentação produzida pelos bispos e estruturas diocesanas ainda escassamente explorada e conservada em arquivos eclesiásticos como sucede no Funchal, Goa, Cochim, Rio de Janeiro, ou em arquivos públicos, como no Maranhão.

No caso da documentação subsistente no Archivio Segreto Vaticano, serão sumariadas, transcritas e traduzidas para português do latim, as séries de visita ad limina e as informações testemunhais sobre o estado das dioceses, contantes nos processos de confirmação papal de nomeação de bispos (processos concistoriales). Pesquisar-se-á ainda documentação do Archivio da Propaganda Fide.

Em bibliotecas e arquivos de Portugal, Espanha, Brasil, Angola e Índia valorizar-se-á a análise de correspondência (entre a Coroa e os bispos ou entre estes e inquisidores) dispersa na Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Torre do Tombo ou no Archivo General de Simancas; processos judiciais episcopais existentes em fundos da Inquisição na Torre do Tombo; a documentação da Mesa da Consciência, sobretudo a série de Consultas e Padroados. No caso da documentação remetida e emitida pelo Conselho Ultramarino, será inventariada e sumariada a documentação avulsa (tarefa já feita para o Brasil pelo projeto RESGATE).

Será dada atenção à busca de livros de registos paroquiais, pois esta documentação é da maior utilidade para demonstrar a territorialização do poder episcopal.

Os resultados preliminares das pesquisas irão dando origem a publicações da autoria de membros da equipa, preferencialmente em inglês, em revistas internacionais indexadas com sistema de avaliação por pares.

Serão organizadas anualmente reuniões de trabalho da equipa e no início e a meio do projeto com a Comissão de Aconselhamento Externo, para avaliar o work in progress, afinar metodologias e estabelecer os objetivos e critérios a adotar na redação de um e-book com os resultados finais.

O livro terá versão portuguesa e inglesa. A proposta é que ele assuma a seguinte estrutura, que deve orientar as pesquisas da equipa:

1 - O episcopado: seleção, carreiras, modos de governar;

2 - Estruturas funcionais da administração episcopal: orgânica e capilaridade territorial;

3 - Norma e justiça: constituições e regimentos, visitas pastorais e tribunais episcopais;

4 - O clero secular: potencial e limites;

5 - Articulações: relações com a Coroa, Inquisição e clero regular;

6 - Impactos: a fé dos fiéis no império.

Todas as publicações respeitarão a política de acesso aberto da FCT, legalmente exigida às publicações científicas (peer-reviewed). Estão previstas ações de disseminação de resultados, permitindo a apropriação social da ciência (online: Facebook, Youtube para disponibilização de vídeos, página web do Centro de História da Sociedade e da Cultura, e presenciais: dois colóquios internacionais e ciclo de workshops temáticos com os membros da equipa e elementos da Comissão de Acompanhamento Externo.

A atividade do projeto terá o Centro de História da Sociedade e da Cultura como pólo central, pelo que atrairá a Coimbra diversos investigadores, podendo vir a consolidar uma linha de investigação âncora na Universidade, valorizada internacionalmente, com contributos para a dinamização científica da região e impactos económicos indiretos.

A constituição da Comissão de Aconselhamento Externo possibilita o apoio das diversas instituições às quais os seus elementos têm vinculação. De igual modo, a equipa do projeto foi construída tendo em vista a colaboração das universidades Federal da Bahia e de Lovaina, onde lecionam dois dos membros da equipa; e da Universidade de Bergen, onde é bolseiro um dos investigadores. Estas entidades disponibilizarão instalações para a realização de encontros e atividades do projeto e recursos bibliográficos essenciais para a pesquisa.